terça-feira, 12 de maio de 2009

Modelos de Exercício (o segundo)

Caros amigos,

Estou agora no meio da tarefa de corrigir os exercícios (o segundo) e, em geral, não gostando muito dos resultados, mais uma vez resolvi postar aqui dois exercícios que achei bastante completos para que vcs tomem como uma boa referência.

Reparem no modo como os dois alunos estruruam os seus parágrafos, reparem na clareza das formulações, e, mais importantemente, como eles seguem bem de perto o desenvolvimento do texto apresentando-o completamente. É claro que não são, estes, exercícios perfeitos, ou o único tipo de exercício aceitável, mas, de todo modo, são uma ótima referência para que vcs tomem, de uma vez por todas, conhecimento do que seja uma boa a-n-á-l-i-s-e de texto.

Abraço e, divritam-se:

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A Regra I das Regras para a orientação do Espírito de Descartes começa com a definição da finalidade dos estudos. Estes devem ser empreendidos de maneira a guiar o espírito por um caminho que permita a formulação de juízos sólidos e verdadeiros a respeito das coisas. Dito isto, o texto que se segue na Regra procura caracterizar o modo pelo qual este estudo deve ser feito para que dele se extraiam os melhores e mais certos resultados.

Descartes observa que há certo uso entre os homens de tomar coisas apenas semelhantes como iguais em seus julgamentos, de estender alguma verdade que é valida somente para uma coisa à outra, generalizando em falso. Devido a este costume, aproximam a ciência e a arte por alguma aparente semelhança. No entanto, o conhecimento de cada uma delas é completamente diferente em seus princípios: o da ciência provém estritamente do espírito, enquanto o conhecimento artístico tem origem no exercício prático do corpo. Estas pessoas observam que geralmente não se pode ser versado em mais de uma arte com a mesma desenvoltura, sendo então preferível aplicar-se ao estudo de uma em particular para bem executá-la. A partir disto, acham que a mesma situação se passa com as ciências, e a elas também atribuem as conclusões tiradas sobre as artes, a despeito da diferença radical entre as duas formas de conhecimento. Assim, estabelecem cisões entre as ciências de acordo com o objeto sobre o qual esta se aplica, e passam a estudá-las separadamente.

Nisto – Descartes enfatiza – erraram com certeza. Então, a partir deste ponto irá explicar este engano e evidenciar que não só este caminho se lhe apresenta como o mais difícil, mas também o que trará menos frutos. O grande erro de conceber as ciências analogamente às artes é que elas compõem a sabedoria humana, e como tal é una e idêntica. Portanto não cabe ao espírito delimitar-se em seu estudo uma vez que a ciência, embora apresente nuances conforme o objeto sobre o qual lança sua luz, é um todo, e esta característica essencial não se deve perder de vista.

Ainda diferindo do estudo das artes, cujo êxito deve ser mais bem conseguido no cultivo de um só tipo, nas ciências se passa o contrário: o entendimento é ampliado tanto mais abrangente for o estudo; cada verdade descoberta neste campo abre caminho e facilita a aquisição de outras. É de admirar, pois, aqueles que se dedicam com exclusividade a uma ciência específica, esquecendo-se das demais, fechando os olhos diante das boas contribuições que a abertura dos estudos acarretaria.

Nesta colocação Descartes mostra a importância desta regra e de seu posicionamento na obra – precedendo todas as outras considerações que estão por vir. É talvez um alerta ao espírito leitor para que não se deixe afastar do objetivo geral, da busca da sabedoria universal para recair em questões específicas ou objetivos particulares. E aqui não se trata sequer dos objetivos mesquinhos, que bem poderiam levar a vantagens fáceis. O que Descartes quer revelar são os perigos ocultos por trás dos objetivos honestos, como a procura da verdade pelo puro prazer de sua contemplação. Deve-se atentar sobretudo a estes fins dignos, pois eles, justamente por sua aparência correta, podem enganar o espírito inquiridor com mais sutileza.

Esta advertência é necessária, pois embora legítimos estes fins podem vir a restringir a visão de quem investiga algo. Se durante os estudos se tiver em vista apenas o bem final por eles proporcionado, pode-se acabar negligenciando alguma via por achar que ela não o levará a seu destino, por julgá-la inútil ou desinteressante a seus propósitos. Portanto esta maneira teleológica de conduzir os estudos seria condenável ou pouco proveitosa, pois dificulta a percepção das ciências como componentes de um todo que deve ser abordado em suas múltiplas vertentes e conexões. Uma vez que todas as ciências estão interligadas, seria inclusive mais fácil aprendê-las em conjunto, dada a dependência que têm entre si – a verdade descoberta em uma delas pode ter implicações em outra ciência, e observar estas relações apenas facilitaria a busca de outras verdades.

Assim, Descartes conclui que para alcançar a verdade científica não se deve aplicar-se a uma ciência particular, ignorando as demais. A atitude mais adequada a este respeito seria aumentar a luz natural da razão diante das questões, observando num plano geral o quadro para com clareza escolher os caminhos certos para chegar ao conhecimento.

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Na primeira de suas “Regras para Direção do Espírito”, Descartes afirma que o objetivo de se estudar deve ser o de guiar a inteligência a fim de se fazer julgamentos verdadeiros e bem fundamentados a respeito de tudo que se encontrar. Na explicação que se segue Descartes deixa claro que a motivação de tal regra é a de combater a excessiva especialização do conhecimento que então se praticava: a partir de uma falsa analogia com as artes, preconizava-se na época que assim como um músico atingiria mais facilmente a excelência se se dedicasse exclusivamente à sua arte, também um estudioso da ciência deveria se especilizar em sua área para atingir melhores resultados. Descartes nota então que enquanto as artes requerem certo adestramento físico, o mesmo não ocorria com as ciências: todos elas são igualmente expressão da sabedoria humana, a qual não muda mesmo quando aplicada a diferentes objetos. Daí então Descartes afirmar em sua regra que o estudioso deve procurar fazer julgamentos verdadeiros em “tudo o que se encontrar”; se a especilização é válida para as artes, ela não o para a Ciência.

Descartes em seguida argumenta que a universalidade nos estudos não somente é possível e factível como também é altamente desejável. O foco excessivo apenas em determinados objetos, mesmo quando motivado por intenções nobres, pode, segundo Descartes, desviar o estudioso do que deveria ser o seu objetivo principal: contribuir para a sabedoria universal. Ao delimitar seus estudos à uma área específica, o estudioso acaba sempre omitindo outras áreas que inicialmente não lhe parecem tão úteis. Isso não só o desvia do caminho da sabedoria como também dificulta seu trabalho: para Descartes, como todas as ciências estão todas mutuamente conectadas, é mais fácil aprendê-las todas de uma vez do que isoladamente.

Em seguida, Descartes conclui que o objetivo central dos estudiosos deve ser o de procurar aumentar a luz natural da razão a fim de que a inteligência instrua a vontade a respeito das decisões que se tomam na vida. Quando a Regra I fala de “tudo que se pode encontrar”, portanto, ela não se refere apenas a objetos encontráveis durante os estudos do pesquisador. Descartes de fato pretende que os estudos instruam a respeito da vida como um todo, que realmente guiem as pessoas em todas as ações de seu cotidiano, não servindo apenas para áreas de aplicação delimitadas e rígidas. Neste momento, Descartes torna ainda mais específico o tipo de especialização que ele combate ao afirmar que nunca se deve estudar com o objetivo de se resolver problemas específicos da filosofia escolástica. Logo, não são quaisquer especialistas a que Descartes se refere, mas sim aos escolásticos, o grande establishment filosófico de sua época.

Descartes declara por último que ao seguir a regra por ele proposta os estudiosos progrediriam muito mais do que o faziam então os especialistas, atingindo resultados superiores aos que eles sequer poderiam imaginar. Como claramente Descartes formula sua regra em contraposição à filosofia escolástica então praticada e sua excessiva especialização, fica evidente que para ele a escolástica de modo algum conduzia ao ideal de vida da busca da sabedoria, o que obviamente é a atividade por excelência do filosófo.

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